Estagflação e o mercado de câmbio
Visão Geral
Dados oficiais vindos dos países europeus e dos Estados Unidos, mostram que o processo inflacionário em curso parece longe de terminar.
O diagnóstico, de que se trata de um processo agudo, mas passageiro, permanece de pé. Os bancos centrais já assumem que o aumento de preços aos consumidores tem sido mais persistente do que o projetado meses antes.
Apesar da relativa inação dos bancos centrais da maioria dos países desenvolvidos, a inflação atual ganha novos contornos e isso pode ser muito ruim, sobretudo para países em desenvolvimento como o Brasil.
Acompanhe nossa análise a seguir. Por muitos anos os economistas acompanharam a relação negativa entre nível de desemprego e inflação.
A chamada curva de Phillips, que congrega em um plano cartesiano o nível de preços ao consumidor e o percentual de desemprego em uma dada economia, é bastante clara e mostra que quanto menor for a taxa de desemprego, maior será a inflação.
Pode parecer complicado, mas essa relação é bastante simples. Se a taxa de desemprego é pequena significa que o nível de atividade econômica (consumo, produção e investimento) estão altos. Neste cenário, devido ao esgotamento relativo dos fatores de produção (trabalho, maquinário etc) a tendência é que haja aumento de preços.
Durante muito tempo, essa relação entre as duas variáveis fez sentido e sempre que a taxa de desemprego apresentava diminuição muito significativa isso se traduzia em aumento do nível de preços.
Apesar do sucesso da Curva de Phillips, essa relação mudou dramaticamente nas décadas de 1960 e 1970.
A mudança de comportamento dos agentes econômicos, associados a choques de oferta relevantes, como os choques do petróleo (1973 e 1979), criou um ambiente em que inflação elevada e altas taxas de desemprego conviviam harmonicamente.
Então, a estagflação é uma condição em que há aumento importante dos preços aos consumidores ao mesmo tempo em que se acompanha um aumento das taxas de desemprego (estagnação ou recessão econômica).
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A atuação do banco central do mundo
O Federal Reserve (Fed), banco central estadunidense, frequentemente é chamado de banco central do mundo. Então, não, você não leu errado.
Ele é citado desta forma porque uma mudança de postura na sua política monetária (aumento ou diminuição da taxa básica de juros, por exemplo) acaba “obrigando” os demais bancos centrais a agir na mesma direção.
Por enquanto, tanto o Fed quanto o Banco Central Europeu (BCE), sustentam o diagnóstico inicial de que a inflação atual é causada por eventos meramente transitórios.
Quando (e se) este diagnóstico mudar, haverá uma mudança relevante na condução da política monetária nos países centrais.
E é aqui que mora o perigo para o Brasil.
A inflação nos Estados Unidos ficou em 5,4% nos doze meses encerrados em setembro. Patamar muito semelhante às últimas três leituras.
Mas se por um lado o ritmo de aumento da inflação parece ter arrefecido, por outro, o nível de atividade econômica também parece ter perdido fôlego.
Uma coisa é ter a inflação mais elevada das últimas décadas associada a um aumento robusto do PIB, outra coisa é ver o aumento dos preços aos consumidores enquanto se assiste à perda de potência da economia.
O perigo aqui é justamente a tal da estagflação. Ela poderá exigir dos bancos centrais dos Estados Unidos e Zona do Euro ações mais contundentes contra a inflação por lá.
Movimentos mais bruscos do FED e do BCE podem intensificar a saída de dólares do Brasil.
Com o Brasil é diferente
Os consumidores brasileiros estão sentindo no bolso os efeitos do aumentos dos preços das commodities e produtos acabados no mercado mundial.
Os gargalos produtivos formados a partir dos desdobramentos da pandemia, o aumento repentino da demanda por materiais básicos em função da retomada de algumas economias e eventos domésticos (como a crise hídrica), não pouparam os consumidores do Brasil.
A inflação acumulada nos doze meses encerrados em setembro deste ano é a mais elevada em mais de cinco anos, +10,25%.
Parte dessa inflação é fruto dos mesmos impactos que têm afligido os Estados Unidos e Europa, é verdade. Mas aqui temos um importante agravante, a taxa de câmbio.
O diagnóstico do Banco Central do Brasil é o mesmo do Fed e do BCE. A inflação atual é majoritariamente causada por eventos transitórios e auto ajustáveis.
No entanto, apesar deste diagnóstico, o Bacen decidiu agir e elevar a taxa de juros da economia brasileira.
Segundo a nossa autoridade monetária, parte deste aumento da Selic vem da intenção do banco de eliminar elementos de inércia inflacionária, ou seja, o aumento da inflação por expectativa.
Neste cenário, as empresas reajustam seus preços mesmo não havendo preços de custo na base da cadeia produtiva. Os aumentos ocorrem de forma cautelar pelos agentes que acreditam em uma inflação mais elevada pelo simples fato de ter acompanhado um aumento sustentado e relevante dos preços nos últimos meses.
A má notícia é que uma parcela importante dos nossos aumentos de preços decorre da desvalorização da nossa moeda. E como a taxa de câmbio tem respondido muito mal aos desdobramentos políticos nacionais, é de se esperar que o aumento dos juros por aqui não produza os efeitos desejados.
A depender do quadro político nacional, os ajustes feitos pelo Bacen podem não ser capazes de competir com todas as turbulências domésticas.
Deste modo, poderemos conviver, em breve, com a estagflação e desvalorização da nossa moeda, criando a tempestade perfeita que produz mais inflação, menos crescimento e mais desvalorização cambial.
Seguimos de olho.
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